sábado, 15 de fevereiro de 2014

Resenha: Festa no Covil e Se Vivêssemos em um Lugar Normal

   Sejamos muito honestos: hoje em dia, quando falamos em literatura atual, lançamentos, sei lá o quê, nos referimos sempre a autores da língua inglesa (de preferência americanos), com livros às vezes bons, outras nem tanto, mas poucos com uma crítica social, ou alguma crítica, ou um retrato de qualquer coisa. Sim, eu estou falando dos lançamentos recentes da Novo Conceito.
   Mas, o pessoal que não fala inglês também escreve livros muito bons. E hoje quero falar do incrível Juan Pablo Villalobos, um escritor mexicano que chamou a atenção em 2010 com o lançamento do seu primeiro romance, “Festa no Covil”, que é parte de um trilogia sobre o México.
   Villalobos descreve nesses dois livros dos quais vou falar um México dos anos 1980 (e muito atual) devastado pela desigualdade social, injustiça e corrupção política (lembra algum lugar?). Seus livros são “mini-romances” – fazem o retrato de seu país de uma maneira rápida e descontraída, sem nada que seja inútil ou panfletário, na voz de quem nós menos esperávamos que narrassem histórias como essas: crianças.


  
Título original: Fiesta en la madriguera
Páginas: 88
Nota: 4,5/5

Festa no Covil: acompanha a vida de Tochtli, um menino que vive com o pai (rei do narcotráfico) num palácio e conta a história sobre como conseguiu e perdeu seus hipopótamos anões da Libéria. Ou pelo menos é isso o que pretende. Mas, nem um garoto-samurai como ele consegue ignorar o que acontece ao seu redor, ainda que não entenda a maioria dos fatos se deixa levar pelas palavras do pai e aqueles que trabalham na casa (pelo menos os que conseguem falar). Tochtli vive completamente isolado do mundo (conhece quatorze ou quinze pessoas) e é rodeado pelo mimo de seu pai, pela cultura inútil, de seu tutor, pela mudez enigmática de alguns empregados, pela falta solta de outros, e por dez quartos cheios de vazio.

   Este primeiro romance é um retrato do narcotráfico do país, que enriquece com milhões de dólares, euros e pesos os líderes da prática – além de levar pro beleléu vários traidores - , que nos é passado pela inocência irônica e cheia de significados de Tochtli.
   “Às vezes o México é um país nefasto, mas às vezes também é um país magnífico”
   “A maioria dos livros fala de coisas que não interessam a ninguém e que não servem para nada”
Obs: houve, em 2013 no Brasil, uma adaptação do livro para o teatro, estrelada por Marcos Andrade.

Título original: Se viviéramos en un lugar normal
Páginas: 153
Nota: 5/5   

Se Vivêssemos em um Lugar Normal: mais complexo e menos inocente que a narrativa anterior, ganha a voz de Orestes, que narra os seus treze anos vividos em Lagos de Moreno, o segundo filho de um total de sete filhos. Orestes vive numa pequena e mal acabada casa sobre um morro em meio a uma família grande, que tem de competir pelas quesadillas à noite, recheada de frases com palavrões, um pai que acredita ser de esquerda num país onde isso nem se encaixa, um irmão mais velho que acredita ser o rei do mundo, uma mãe que nega a péssima situação da família e do país ao mesmo tempo que tenta manter tudo em ordem.
   É essa situação que leva ao egoísmo extremo dentro da própria família: se os irmãos desaparecessem , talvez eles se tornassem mesmo da classe média, principalmente num momento em que a família corre o risco de ser despejada, já que querem construir um condomínio de luxo – na periferia de Lagos! – justo onde fica seu terreno.
   Mais impactante e persuasivo, “Se Vivêssemos em um Lugar Normal” expõe a violência das ruas do México, a extrema desigualdade social – onde os ricos são cada vez mais ambiciosos - e a ridícula corrupção dos políticos atacada pelos loucos rebeldes, em meio a muitos palavrões, inseminação de bovinos e um curioso interesse pela culinária local. E um final mais parecido com uma viagem psicodélica.
   “Deixem-me explicar de uma vez quatro coisas sobre a minha cidade: há mais vacas que pessoas, mais charros que cavalos, mais padres que vacas, e as pessoas gostam de acreditar na existência de fantasmas, milagres, naves espaciais, santos e similares”

   “A televisão ficou lá! [...] E agora, como íamos saber que éramos infelizes?”



Juan Pablo Villalobos nasceu em 1973, em Guadalajara, México. É autor de contos, 
crônicas e crítica literária e de cinema. Vive no Brasil desde 2011 e mantém uma coluna semanal para a Companhia das Letras.

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