Sejamos muito honestos: hoje em dia, quando
falamos em literatura atual, lançamentos, sei lá o quê, nos referimos sempre a
autores da língua inglesa (de preferência americanos), com livros às vezes
bons, outras nem tanto, mas poucos com uma crítica social, ou alguma crítica,
ou um retrato de qualquer coisa. Sim, eu estou falando dos lançamentos
recentes da Novo Conceito.
Mas, o pessoal que não fala inglês também
escreve livros muito bons. E hoje quero falar do incrível Juan Pablo
Villalobos, um escritor mexicano que chamou a atenção em 2010 com o lançamento
do seu primeiro romance, “Festa no Covil”, que é parte de um trilogia sobre o
México.
Villalobos descreve nesses dois livros dos
quais vou falar um México dos anos 1980 (e muito atual) devastado pela desigualdade
social, injustiça e corrupção política (lembra algum lugar?). Seus livros são “mini-romances”
– fazem o retrato de seu país de uma maneira rápida e descontraída, sem nada
que seja inútil ou panfletário, na voz de quem nós menos esperávamos que
narrassem histórias como essas: crianças.
Título original: Fiesta en la madriguera
Páginas: 88
Nota: 4,5/5
Festa no Covil: acompanha a vida de Tochtli,
um menino que vive com o pai (rei do narcotráfico) num palácio e conta a
história sobre como conseguiu e perdeu seus hipopótamos anões da Libéria. Ou
pelo menos é isso o que pretende. Mas, nem um garoto-samurai como ele consegue
ignorar o que acontece ao seu redor, ainda que não entenda a maioria dos fatos
se deixa levar pelas palavras do pai e aqueles que trabalham na casa (pelo
menos os que conseguem falar). Tochtli vive completamente isolado do mundo
(conhece quatorze ou quinze pessoas) e é rodeado pelo mimo de seu pai, pela
cultura inútil, de seu tutor, pela mudez enigmática de alguns empregados, pela
falta solta de outros, e por dez quartos cheios de vazio.
Este primeiro romance é um retrato do
narcotráfico do país, que enriquece com milhões de dólares, euros e pesos os
líderes da prática – além de levar pro beleléu vários traidores - , que nos é
passado pela inocência irônica e cheia de significados de Tochtli.
“Às vezes o México é um país nefasto, mas às
vezes também é um país magnífico”
“A
maioria dos livros fala de coisas que não interessam a ninguém e que não servem
para nada”
Obs: houve,
em 2013 no Brasil, uma adaptação do livro para o teatro, estrelada por Marcos
Andrade.
Páginas: 153
Nota: 5/5
Se Vivêssemos em um Lugar Normal: mais
complexo e menos inocente que a narrativa anterior, ganha a voz de Orestes, que
narra os seus treze anos vividos em Lagos de Moreno, o segundo filho de um
total de sete filhos. Orestes vive numa pequena e mal acabada casa sobre um
morro em meio a uma família grande, que tem de competir pelas quesadillas à
noite, recheada de frases com palavrões, um pai que acredita ser de esquerda
num país onde isso nem se encaixa, um irmão mais velho que acredita ser o rei
do mundo, uma mãe que nega a péssima situação da família e do país ao mesmo
tempo que tenta manter tudo em ordem.
É essa situação que leva ao egoísmo extremo
dentro da própria família: se os irmãos desaparecessem , talvez eles se
tornassem mesmo da classe média, principalmente num momento em que a família
corre o risco de ser despejada, já que querem construir um condomínio de luxo –
na periferia de Lagos! – justo onde fica seu terreno.
Mais impactante e persuasivo, “Se Vivêssemos
em um Lugar Normal” expõe a violência das ruas do México, a extrema
desigualdade social – onde os ricos são cada vez mais ambiciosos - e a ridícula
corrupção dos políticos atacada pelos loucos rebeldes, em meio a muitos
palavrões, inseminação de bovinos e um curioso interesse pela culinária local.
E um final mais parecido com uma viagem psicodélica.
“Deixem-me explicar de uma vez quatro coisas
sobre a minha cidade: há mais vacas que pessoas, mais charros que cavalos, mais
padres que vacas, e as pessoas gostam de acreditar na existência de fantasmas,
milagres, naves espaciais, santos e similares”
“A televisão ficou lá! [...] E agora, como
íamos saber que éramos infelizes?”
Juan Pablo Villalobos nasceu em 1973, em Guadalajara, México. É autor de contos,
crônicas e crítica literária e de cinema. Vive no Brasil desde 2011 e mantém uma coluna semanal para a Companhia das Letras.
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