quarta-feira, 3 de abril de 2013

[Rabiscos] A morte está na mesa



   Quando eu era criança, era bom tomar café em família. Mais que bom, era comum. Hoje, cada um tem seu compromisso, sai quando deve e come quando der. Tanto que, hoje, eu também tomo café da manhã sozinho, lendo o jornal e olhando minhas pantufas laranja. Seria até cômico se não tão trágico. Mas eu tento amenizar tudo isso com lembranças daqueles cafés em família. (Cafés esses que me deixaram com uma bela úlcera).
   Mas, um dia o vovô morreu. Assim, no humor curto e grosso de Deus. Na manhã seguinte, todos olhavam para a cadeira vazia que ele deixara. Inclusive a clara, com só cinco anos.
- Cadê o vovô?
- O vovô morreu – assim, no humor curto e grosso de meu pai.
- O que é morrer?
   Às vezes, as crianças fazem umas perguntas filosóficas demais para os adultos pensarem. E profundas demais para os cientistas resolverem.
- Morrer é quando alguém é transformado num anjo e levado pro Céu – assim, no humor frio mas carinhoso de minha mãe.
- Morrer é quando um bicho gigante entra no seu cérebro e você pára de respirar – assim, no humor mais infantil de meu irmão.
- Morrer é morrer, e pronto! – simples, curto e grosso.
   Assim, tudo ao mesmo tempo...
   Ninguém disse mais nada. Minha irmã não perguntou nada para mim; na verdade, depois de uns cinco minutos, ela já tinha esquecido pergunta e respostas, beliscando o bolo de milho.
   Eu também nunca disse nada. Nem naquele dia e até hoje. Seria demais eu dizer que vovô não tinha morrido: estava ali; tinha deixado um pedacinho seu com cada um de nós. Assim, à la O Pequeno Príncipe mesmo.
   Mas mesmo assim...
   Mesmo assim, ainda hoje, alternando o olhar entre um café que eu não deveria tomar e minhas pantufas laranjas, eu continuo me perguntando: que diabos é morrer?