quarta-feira, 31 de outubro de 2012

A Estação

   Hey, então hoje é Halloween. Nada importante para nós, brasileiros, claro; mas, ainda assim, uma data deveras interessante e divertida. E, encerrando o Mês de Halloween, vou postar um conto de minha própria autoria mesmo: A Estação.






   Segunda-feira – 02:00.O homem à sua frente lhe sorria estranhamente. Aliás, todos ali eram estranhos. Esperava que, àquela hora da noite, não houvesse ninguém no trem além dele, mas, ao contrário disso, havia pelo menos dez pessoas, todas o olhando com curiosidade, quase com uma idolatria absurda. Uma obsessão medonha. Supôs que a maioria fosse da alta sociedade – pessoas da alta sociedade que andavam de trem, é claaro – porque estavam muito bem vestidos, com jóias e todas as baboseiras de gente rica. Gostaria que não tivesse ficado no escritório até tarde. Seu estômago roncou de leve e ele o pressionou com as mãos.
   - Está com fome? – sorriu o homem à sua frente, lhe estendendo um pacote de biscoitos salgados que não estavam ali um segundo antes.
   - Não, obrigado. Já comi no trabalho – seu estômago roncou mais uma vez e o sorriso do homem tornou-se cínico. Mas não desapareceu.
   Nem sabia que horas eram. Ficara sozinho no escritório, enquanto todos iam para suas casas comer um bom prato de comida, menos ele. Malditos chefes!, sempre querem um relatório pronto em cinco minutos. Ele ficou na frente do computador o dia todo, vendo seus colegas deixarem o local e acabou por adormecer sem perceber. Quando acordou o céu parecia breu; não olhou que horas eram, apenas pegou suas coisas e saiu antes que ficasse trancado ali até o dia seguinte. Isso tudo sem terminar o relatório, claro.
   Quando chegou à estação o lugar estava deserto, mas o trem chegou rápido. Por isso ficou surpreso quando viu todas aquelas pessoas bem vestidas olhando-o com surpresa. Parecia que não viam vivalma há séculos.
   - Posso pedir uma gentileza? – era o homem de novo. Estava inclinado para falar com ele e ficava olhando para os outros no trem, como se não quisesse que eles os ouvissem. Mas era claro para qualquer um que todos os olhos estavam voltados para os dois. Olhos e ouvidos.
   - Farei o que puder – disse.
   - Bem, eu preciso que leve uma coisa para mim quando descer na sua estação – quando o homem disse isso, ele percebeu que o trem não parou nem uma vez sequer. Ficou preocupado; talvez tivesse cochilado e perdido sua parada, agora estava indo para um lugar completamente estranho e longe de sua geladeira, longe de uma pizzaria ou uma cantina italiana.
   O homem mal esperou que ele acenasse com a cabeça; foi logo dizendo “ótimo, ótimo, é bom ver pessoas gentis em dias como esse” e mais outras bobagens sobre como a sociedade precisava se unir mais, que haviam muitas mortes, muitas almas estavam perdidas.E, assim, foi se abaixando para alcançar uma mala sob o banco onde estava sentado. Quando se abaixou o suficiente para que sua nuca ficasse exposta, ele quase enfartou ali mesmo. Por todos os diabos, tinha um buraco na cabeça do homem. Um buraco grande. Enorme. Não era para ele estar falando com um homem que tinha um buraco na cabeça; uma pessoa assim deveria estar morta há muito.
   Pela primeira vez, olhou ao seu redor e percebeu as outras pessoas que o olhavam. Uma mulher tinha uma bala no lugar do olho direito e sorria maliciosamente; outro homem tinha uma flecha pequena atravessada na garganta; uma garotinha tinha uma faca no meio da barriga. Todos os passageiros tinham alguma deformidade que deveria tê-los matado na hora, praticamente.
   - Ah, meu Deus. Cacete, cacete, o que está acontecendo nessa merda?!
   O homem que conversava com ele ergueu a cabeça; nas mãos tinha um chapéu coco cinza de muito bom gosto e completamente ensangüentado. Pareceu desconcertado ao vê-lo ali, de pé, e com os olhos a ponto de saltar das órbitas.
   - Oh, que coisa! – exclamou como se tivesse batido o dedão do pé num móvel. Claro, estar num trem cheio de gente morta com um cara aterrorizado na sua frente deveria ser muito normal pra algumas pessoas. Aham.
   Atrás de si, ouviu o som de palmas e, quando olhou, viu que era a mulher com a bala no olho. Ela continuava sorrindo para ele e batendo palmas lentamente, zombando, mas ele não sabia dizer se a zombaria se dirigia a ele próprio ou ao homem com o chapéu.
   - Parabéns, Monroe. Estragou tudo novamente. Incrível como as pessoas mais idiotas são as que mais têm oportunidade, não? E agora, trilhos ou trem? – ela parou de bater palmas e começou a bater o dedo indicador no queixo, fingindo pensar. Imaginou que fosse uma mulher estonteante quando viva, mas agora a bala que substituía o olho a deixava monstruosa.
   - Hum, por que está me olhando assim? Sabe, eu também não gosto desse meu olho. Pergunte ao Monroe como foi que ganhei, ele se divertiu na ocasião.
   Finalmente lhe caiu a ficha de que estava num trem com gente morta! Precisava sair dali; precisava sair dali naquele instante.
   Começou a andar pelo trem desesperado, quase sem consciência de que a máquina continuava em movimento, ele não poderia sair dali. Ficaria preso pela eternidade afora com aquelas pessoas terríveis. Sem geladeira, sem pizza, sem comida italiana. Sem voz, porque berrou quando uma mulher entrou na sua frente; sua pele estava cinza de podridão e veias azuis saltavam de seu rosto que um dia fora delicado. Quando olhou ao redor percebeu que várias outras pessoas... Espera, seriam pessoas, zumbis ou pessoas mortas? Ah, meu Deus, meu Deus, já estava começando a delirar, a soar frio, a respirar pesadamente. Sentia o coração saltar pela boca. Queria gritar, mas não saia nenhum som.
   Gritou. O escritório estava um breu e tinha um papel colado em sua bochecha, com baba por todo lado de sua mesa. Céus, que horas deveria ser? Espera, ele estava dormindo?! No escritório? E sem terminar o relatório, Deus do Céu. Não importava; seu estômago roncava e tudo o que queria era ir pra casa. Uma geladeira, uma pizzaria ou uma cantina italiana. Os trens provavelmente tinham parado de funcionar; pela cor do céu, deveria ser pelo menos meia noite. Pegou suas coisas e correu porta afora, pensando no sonho engraçado que acabara de ter.
   Dizem que, se você for a qualquer estação de trem por volta das 02:30h, poderá encontrar o corpo do que um dia fora Benjamim Jenkes. Seu rosto estará deformado e os braços e pernas num ângulo completamente impossível. Mas seus olhos estarão abertos, encarando o breu que estará o céu. Se encontrá-lo, significa que ele te encontrou também. Se assim for, diga um adeus antecipado às suas noites de sono; ele irá sugá-las como alguém suga um milk-shake de chocolate. Tome cuidado com o espaço embaixo da cama e os lençóis brancos demais. Fique longe de espelhos, acidentes de carro e qualquer outra coisa que envolva morte. Ele estará lá. Vai enlouquecer você, fazer você gritar, escrever coisas nas paredes do quarto. Vai fazer sua alma se esvair até que você seja apenas alguma coisa desimportante que está ocupando espaço demais no mundo. Ele vai ficar lá até você dormir no trabalho e decidir pegar um trem.










Um comentário:

  1. Uau...arrasou no conto hein?
    Você tem um domínio muito grande com as palavras,me envolvi do começo ao fim do post...Parabéns!
    Abraço!

    Bruno
    http://oexploradorcultural.blogspot.com

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