quarta-feira, 29 de agosto de 2012

A Viagem às Estrelas



   Pra quem já leu A Culpa É das Estrelas, que eu resenhei aqui , e se apaixonou (ou nem tanto), John Green tem uma coisinha pra dizer: não foi nada fácil dar vida a Hazel e Augustus. Foram dez anos pra concluir a história. 
   Em entrevista à Saraiva Conteúdo, o autor amado pelos adolescentes americanos conta as dificuldades que teve para compor a história e a sua relação com os leitores.
   Eu quis dar vida própria às pessoas doentes, algo que não fosse fazer a vida das outras pessoas melhor. Quis dar a elas o poder, colocá-las no centro da história e mostrar que, mesmo doentes, elas são irônicas, engraçadas, interessantes, têm raiva e estão vivas como nós.


Há um momento no livro em que a personagem Hazel diz: “Livros sobre câncer são os piores”. Como você buscou fugir do que é, geralmente, esperado de obras com histórias como essa?

John Green. Bem, acho que o que Hazel menos gosta nos livros sobre câncer é a forma como eles romantizam e até mesmo desumanizam quem tem a doença. Geralmente, a pessoa doente é apenas uma criatura de olhos tristes que será lembrada pelas pessoas saudáveis como alguém que lhes ensinou algo. Mas, claro, essa não é a história sobre a pessoa doente, e sim sobre as pessoas saudáveis.

Então, eu quis dar vida própria às pessoas doentes, algo que não fosse fazer a vida das outras pessoas melhor. Quis dar a elas o poder, colocá-las no centro da história e mostrar que, mesmo doentes, elas são irônicas, engraçadas, interessantes, têm raiva e estão vivas como nós.

A Culpa é das Estrelas foi inspirado em uma garota, a Esther. Você pode nos contar quem era ela?

John Green. Esther era uma fã dos meus livros e dos vídeos que eu faço com meu irmão. Eu a conheci em uma conferência, em 2009. Nos tornamos amigos e fomos amigos até a sua morte (ela teve câncer), em agosto de 2010. Esther era uma pessoa incomum, e conhecê-la me lembrou de como os adolescentes podem ser introspectivos e ao mesmo tempo ter uma empatia estonteante. Pensar sobre essas qualidades me deu uma nova visão dessa história, que tentei escrever por 10 anos. É importante dizer que Esther era muito diferente de Hazel e que eu certamente não quis me apropriar da história dela. Mas eu jamais poderia ter escrito este livro se não a tivesse conhecido. Ela inspirou cada palavra.

Hazel é uma personagem encantadora. Assim como Augustus. Adolescentes irônicos, engraçados e conscientes de suas limitações. Como você faz para acompanhar o universo dos adolescentes?

John Green. Bem, conheço muitos adolescentes. Leio as centenas de comentários que eles deixam no YouTube, Twitter, blogs, e isso me ajuda a entendê-los enquanto vou ficando mais velho.

Foi um livro fácil de escrever?

John Green. Não. Tentei escrever essa história por muitos anos e continuava falhando, o que era extremamente frustrante. Foi difícil por muitas razões, mas acho que a principal é que eu queria que os personagens fossem pessoas reais – engraçadas, irônicas, com raiva, inteligentes – e eu não queria perder essas características por serem personagens que estavam doentes. Isso foi difícil. Eu seguia caindo no sentimentalismo e romantizando os personagens e sua falta de sorte.

Além disso, foi difícil porque eu estava triste. Triste e, francamente, com muita raiva. Isso porque Esther havia morrido, e muitas crianças morriam todos os dias por falta de comida e remédio. Isso começou a consumir minha escrita. Então, enquanto eu queria que o livro fosse engraçado, a pessoa que escrevia estava com muita dor. Porém, escrever pode ser difícil, mas é mais fácil do que 99% dos outros trabalhos. Não é uma tortura ou algo do tipo.

Você tem outro livro já publicado no Brasil, Quem é Você, Alasca?. A impressão é de que um ponto comum entre esse livro e A Culpa é das Estrelas é que ambos são histórias sobre como a vida de uma pessoa pode impactar e mexer com outras vidas. Faz sentido?

John Green. Sim. Sou muito interessado na forma como as histórias nos conectam e em outras formas de nos conectarmos uns aos outros. Nós estamos conectados não só às nossas famílias e amigos, mas àqueles que vivem longe, aos mortos e aos que ainda nem nasceram. Nós, que estamos vivos, temos uma imensa responsabilidade sobre os outros. E mais, somos tolos se pensamos que nossas ações importam apenas para nós ou para os mais próximos. Toda vida afeta outra vida.

Vlogbrothers é um enorme sucesso na web. Qual o segredo da sua popularidade com o público adolescente?

John Green. Tentamos ser autênticos e respeitar a inteligência da nossa audiência. Adolescentes são muitas vezes rebaixados ou tratados como se fossem menos interessantes ou inteligentes que os adultos. No entanto, a minha experiência é que os mais jovens são mais inteligentes e profundamente compassivos. Nossos vídeos são, geralmente, muito bobos, mas o conceito do projeto é de que, juntos, nós podemos ser cidadãos melhores e mais conscientes no mundo. E acho que os adolescentes respondem bem a um mix de seriedade e brincadeiras.

Você está muito presente na web e parece estar sempre acessível aos fãs. Você costuma receber mensagens de leitores brasileiros? Como é a relação com os fãs?

John Green. Sim. Recebo notícias de leitores brasileiros quase todos os dias. Na verdade, estou agora mesmo no meu escritório olhando uma camisa de futebol autografada pelo Pelé que eu ganhei de alguns leitores brasileiros. Eu adoro futebol (torço pelo Liverpool, que tem dois brasileiros, e jogo futebol no YouTube, em um time fictício com sete jogadores brasileiros).

Meus leitores sempre me perguntam o que acontece após o final de um livro. Acho que eles acreditam que eu guardei algum segredo e vou contá-lo se eles me perguntarem na hora certa. Mas assim como Van Houten [personagem escritor do livro A Culpa é das Estrelas], não sei mais nada depois do final, e acho que a história pertence aos leitores.

Hazel e Augustus são personagens apaixonantes e muito vivos, presentes. Você sente falta deles?

John Green. Sinto. Nunca gostei tanto de escrever da perspectiva de outra pessoa como pela de Hazel, e sinto falta de poder carregar a voz dela comigo durante um dia inteiro. Mas ao mesmo tempo sou muito grato, pois, após mais de dez anos, isso está feito e terminado e as pessoas podem ler. Fico feliz de ter deixado essa história sair.

No livro, o maior medo do personagem Augustus Waters era ser esquecido. De alguma forma, você acha que escrever uma trama inspirada em Esther deu a ela um modo de ser lembrada para sempre? Você já pensou nisso?

John Green. De fato, pensei sobre isso, mas, no final, concordo com Van Houten: escrever enterra, não traz de volta. Tentei contar uma história bonita sobre doença e perda, mas não pude contar a história de Esther. Ela estava muito viva, e era complexa e fascinante demais para eu capturá-la. Mas espero que a memória dela continue inspirando as pessoas a serem mais generosas. Esther vai viver através da ajuda das pessoas, do voluntarismo, e não pela minha pequena história.

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